Parusia
- Marco Villarta

- 4 de jun. de 2022
- 2 min de leitura
Canto aqui as dores do coração dilacerado Recanto de um mundo transfigurado, roto Getsêmani, choro, sangue, paixão extrema O cálice não pode ser de mim afastado Assim como a lança que certifica a morte Atravessando o peito, esgotando a seiva Da vida em suas últimas, derradeiras gotas Era sublime esse carinho, terno, cúmplice Porém sabia, como premonição, sua interrupção Temia a sorte dos amados, o fim de seus porquês Se há metades que se encontram nessa estrada Mais de uma dezena de existências seria necessária Para exaurir dos olhos tanto afeto, tanto amor No entanto, o mistério faz sua arte no silêncio Pois o divino não cabe nas humanas dimensões Não adianta a construção de hábil silogismo Como sortilégio, resposta, infrutífera adivinhação Somos o que somos, sem volta, sem transições O abrupto, o fortuito, o desígnio, se acaso houver Está na bruma, na névoa, em espessa, densa neblina Impenetrável pelos mais poderosos, grandiosos faróis A luz de que dependemos não vem de nossas invenções Está em toda parte, mas é traiçoeira, ilusória projeção Já que ilumina com o passado o que pensamos ser realidade A ficção não é obra imaginativa, sequer simples alegoria É a expressão do improvável, comoção que não se explica Desisto, prostrado, de evocar imperfeitas metáforas Pois que o símbolo substitui as coisas, ao custo da sobreposição O que perdemos esconde-se abaixo das gretas, desliza, escorrega Na líquida capitulação ante a angustiante finitude do eu ou do outro Como manter o equilíbrio do universo, se em seus confins cambiantes Não se dá à mostra em sua mais íntima arquitetura, na trama minuciosa, Filigrana, olhar de quem investiga os próprios passos, com perplexa dúvida Torço para que o eterno retorno seja mais que um delírio filosófico Que num renovado mundo, num novo recém criado e paradisíaco multiverso E na nossa reedição de corpos, almas, sinas e propósitos, feitos no além Que nos seja propício o oráculo, o ouvido impreciso da distante divindade Será justiça cósmica, ante amor que não cabe num infinito só
Marco Villarta Lavras, 24 de setembro de 2021.




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