Olhos de gato
- Marco Villarta

- 10 de out. de 2022
- 2 min de leitura
Nos apressados passos
Vi, por detrás, um gato
Olhando para dentro
Do restaurante
Quem poderá saber?
Suponho qual seja
O seu paciente e displicente
Mirar
Olhar por trás, na mesma direção
É soçobrar na contradição
Ver a partir do mesmo campo
Mas ignorar o enxergar alheio
Estarão os olhos abertos?
Absortos num ponto qualquer
Ou meramente ali
Como costuma ser o existir
Queria enxergar
O que os gatos vislumbram
No aberto do dia
Ou na espessura da noite
Queria ver o mundo
A partir dos olhos
De cada outro bicho
Abaixo e acima
Da aparente solidez
Da terra
Telúrico holofote
Em direção ao segredo
Degredo
De ser finíssima fatia
De desmedidas dimensões
Suspeito não enxergarem
Outros seres
Somente cores e formas
Mas movimentos e quietudes
Latejares e pulsões
Imagino no preguiçoso olhar
Dos imponentes leões
O olhar que adivinha o cheiro
E que mede a espera
Da presa
Que a ele virá
O horizonte de água e gelo
De ursos polares
A falsa timidez do fitar
De graciosas jaguatiricas
O embaçado esgueio
De rastejantes serpentes
Se acaso eu vivesse tal utopia
Ao voltar ao humano terreno
Igual já não seria
Quem vê o mundo de variados ângulos
Acaso se importará
Com o limitado enquadramento?
Acaso fixará numa só paleta
O multicolorido brilho dos raios
Ou os ondulantes reflexos do sol
Nas profundidades dos mares?
Não sei o que olhava o tal gato
Mas olhar para o que ele via
Me fez cúmplice de sereno mistério
Não o dele, muito menos o meu
Pois que não há chaves sem
As fechaduras das portas
E só há o fino véu do desconhecer
Por entrementes e entremeios
Por causa de frestas e brechas
Rotas trincas em ruinoso muro
Futuro que nunca há de ser.
Marco Villarta
Lavras, 26 de setembro de 2022.




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