Itinerário II

Não sei fazer poesia Mas sempre fui ledor voraz Diz Borges ser o autor Leitor mais esperto Que se antecipa em escrever Mas minha história é longa Me (des)achei primeiro em Machado Aquele de sobrenome Assis E mergulhei no sombrio mundo de Poe Corvos, poços, gatos pretos, pântanos Foram cenário para sonhos tensos E para descobrir jogos com o narrar Com Borges me vi em labirínticos espelhos Ora como Minotauro, Por vezes, como Teseu Identifiquei minha solidão Nos mais de cem anos de García Márquez E nos outros textos seus Ao assombro de Cortázar também não fiquei imune E, de fora, em câmera alta, Me vi leitor na poltrona Prestes ao desfecho retido Nas entrelinhas Entredito na continuidade dos parques E na abstrata ocupação da casa tomada Por quem nos amordaça Alma e corpo, liberdade e vida Baudelaire, o da maldição Leitor de Poe, florista do mal Não me deixou de impressionar Tantos e tantos percursos Viagens insólitas Na científica ficção Entre robôs e estelares Naves dos loucos Mas não consigo deixar De lembrar De Dostoiévski, o intenso Que ao ler, senti-me lido Na febril textura De personas Humanas Loucas Idéias Polifonias Linguagem-limite Para lembrar o que somos Nesse cambiante descobrir-se Rosa fez ressurgir minha fé No invisível milagre De narrar E talvez não possa esquecer Da leveza biológica Couto que mia Não como um gato Mas como leve bater de asas Quase sussurrando Quase se desculpando Por tanta beleza E por tanta esperança Na bruma dos mitos Na berma de uma estrada Nem do sul, nem do norte Pois no caminhar Nossa bússola não tem ponteiros E ler as almas alheias É uma forma de salvação.

Marco Villarta São José dos Campos, 22 de julho de 2021.