Glasa
- Marco Villarta

- 4 de jun. de 2022
- 2 min de leitura
Há nos olhares um quê de espelho Quando um olho se encontra em outro Há orbes em órbita, há divina criação Mas é do feitio do universo ser recorrente Sonhos dentro dos sonhos, olhos dentro dos olhos, Almas que imbricam, feito raízes, rizomas E nesse trançar de fios de Aracne deuses tecem delicada tapeçaria, filigranas de sutil ourives Ao contrário de Borges, não temo jamais os espelhos Porque o que neles mais me encanta é o (in)exato Fato de olhar para fria superfície e sentir pulsante A face, não a minha, não a de quem fixa a visão A efígie da moeda não tem um lado só Somos Jano, e vemos na aparente dureza do vítreo rio A desconhecida e tensa face de um alheio ser Sem o qual nada somos, sequer sabemos existir Dizem sermos feitos de barro, da argila sépia De um Éden qualquer, do deslocalizado paraíso Imprecisa descrição que serpenteia por muitas gerações Na verdade, cabe pensar que o barro é que é feito de algo maior Somos tecidos por afetos, sejam leves ou angústias abissais E, quando olhamos no fundo dos olhos outros, Vemos, ao infinito, na inquietude da íris vizinha O nosso próprio gesto de mirar o profundo mistério E a suspeita, de impossível resolução, De que, assim como só nós vemos, O enxergar é prenhe de outro olhar Assim como as almas nascem juntas, nunca ao lado Mas no âmago da alteridade com outras sementes Pois fixar a imagem no limitado tecido, na retina É adentrar no espesso espelho do desconhecer Pois é mergulho, batismo, líquida metamorfose Que é dada somente às lágrimas alheias poder sorver.
Marco Villarta Lavras, 17 de setembro de 2021.




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