Ratos no celeiro
- Marco Villarta

- 3 de jun. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de abr. de 2023
Até pouco tempo eu não gostava de ratos... Pouco contato tive com eles, é verdade... por outro lado, é também correto dizer que os poucos não foram agradáveis. Sempre ratos grandes, ratazanas escuras, cinzentas ou vorazes. Um ou outro camundongo que passasse sorrateiro chegava até a despertar alguma simpatia. Camundongo é simpático até no nome. Além disso, parece molinho, flexível. Quase um bichinho de pelúcia. Do Mickey Mouse nunca gostei. Rato pernóstico, metido a sabichão... sem riso nem graça. Topo Gigio eu achava chato. Desenho do Ligeirinho, também não apreciava. Nunca soube a razão de não gostar do personagem do ratinho mexicano. Hoje penso que talvez porque seja caricatura demais. Mas, aos poucos, os ratos vão entrando nas frestas da vida das pessoas. A notícia dos ratos que convivem com pessoas que moram em lugares que não são lugares. Os ratos-metáfora. Ah, sim, os ratos-metáfora. Esses alegorizam os piores comportamentos humanos. E viram sátira. As charges exageram-lhe os dentes, o olhar sanguíneo, o rabo desproporcionalmente grande, o pelo repulsivo. Minha paixão pelos queijos alimentou em mim mesmo e nas pessoas próximas um folclore de sentir-se meio rato. No imaginário das pessoas passam a existir ratos magros e gordos, ratos de filme e de desenhos animados. Ratos chefs de cozinha, como o Remy do filme Ratatouille e ratos revolucionários, como o Ben, do filme dos anos 1980. A velhice nos endurece nas crenças e amolece na solidariedade da finitude de todas as criaturas. No meio dessa ecologia sentimental, passei a prestar a atenção no olhar dos ratos. Olhar nos olhos de um (outro) bicho é uma das atitudes mais desconcertantes e perigosas. Primeiro, nunca sabe(re)mos o que o olhar que vemos nos enxerga de fato... ou como somos vistos. Mas há uma expressão no olhar do animal que se sente olhado (assim o supomos). As poucas vezes em que tive a oportunidade de trocar olhares com um rato, fui tomado pela estranha sensação de que ele sabia mais de mim que eu dele. Desalojado das selvas que seus ancestrais frequentavam, vindo sem convite para uma nova selva que nós humanos criamos, um olhar perplexo e que me sonda retira de mim a falsa desculpa de que ele me ameaça. Seu olhar me diz claramente que a ameaça sou eu. Só que tudo num rato é exagerado: sua voracidade, sua fertilidade, sua rapidez. Dizem, no saber popular, que, quanto mais faminto está um rato, mais perigoso se torna. Mais devastadora é sua voracidade que consome alimentos, rasga embalagens, emporcalha lugares sacralizados de nossas casas. Confesso que, em meio a tantos ratos personificados, o Pinky talvez seja um dos meus preferidos. Ainda não decidi se entendo que sua brancura extremada e seu nome possam ser irônicas ou quase racistas. Dou a ele o benefício da dúvida. Mas o que mais gosto nele é sua magreza esquálida, a postura arqueada, os poucos dentes num destaque que é um pastiche de um roedor ávido. Os olhos desencontrados e arregalados dão a ele um ar de loucura alegre com a qual me identifico. Em contraposição ao seu parceiro sisudo e megalomaníaco Cérebro, que tem a ideia fixa de dominar o mundo, Pinky, com suas trapalhadas, desorganiza o poder, esculacha a racionalidade e exalta a simples degustação de uma simples brincadeira nonsense. Entre o esquálido Pinky e seu amigo atarracado Cérebro, fico com o primeiro. Ratos magros podem ser a antítese da exclusão. Talvez como ocorre que a dupla negação seja uma afirmação, a dupla exclusão de um rato e de um rato pobre e faminto seja, do ponto de vista de um olhar alegremente louco, uma afirmação de sobrevivência. Talvez porque me identifique... e porque tenho esperança. É confortante pensar que um rato magro possa ser mais ágil e mais afortunado, afinal. E a minha esperança aumenta porque um rato magro visto estaticamente em sua condição, é um estigma do fracasso. Mas um rato magro visto como um ser que sobrevive, na elasticidade de sua busca que o mantém vivo, pode representar um aprender a ver de outro lugar... talvez com o olhar que tento entender quando vejo seus olhos me dizendo quem sou.
Marco Villarta
Lavras, 18 de março de 2016.



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