O livro e a rosa
- Marco Villarta

- 25 de jun. de 2022
- 2 min de leitura
Página Primeira
Contam os antigos cronistas que nos anos do eonato de [ilegível] III, era frequente um culto a um livro, atualmente perdido, que enunciava os preceitos e reflexões de uma antiga devoção.
Os membros dessas comunidades reuniam-se em torno de pedras, nos dias de intensa claridade da conjunção da primeira e terceira luas do Quarto Orbe.
Vestiam túnicas diáfanas, quase transparentes e o membro mais velho do grupo abria um livro, que continha os ensinamentos a que respeitavam.
Todas as páginas do livro apresentavam a seguinte diagramação: havia uma coluna de texto no centro da página. Em volta dela (o livro era circular), outra coluna e, por fim, uma terceira, mais externa, que a circundava.
Após ter lido a coluna principal, o membro mais velho colocava um botão de rosa vermelha sobre o livro e o passava para quem estivesse do seu lado esquerdo.
Esse segundo membro, então, segurava o botão de rosa, lia a segunda coluna da página e o recolocava sobre o livro.
Em seguida, colocava o livro sobre uma pedra, uma espécie de altar, no centro do círculo que perfaziam.
Um terceiro membro aproximava-se do livro aberto, com a rosa por cima, aspergia um líquido incolor sobre ele e voltava à sua posição no círculo.
Um quarto membro, enfim, levava uma tocha acesa e punha fogo no livro e na rosa.
Todos, reverentes, abaixavam a cabeça e ficavam em silêncio, até que o livro e a rosa se consumissem totalmente.
Nesse momento, o membro mais velho pegava um punhado de cinzas do livro e da rosa e pronunciava, em voz baixa, algumas palavras.
Soprava o punhado de cinza em sua mão por sobre as cinzas restantes. Nesse momento, projetava-se delas um holograma com a terceira coluna do texto da página que estava sendo lida.
Todos entoavam em coro, em uníssono, as palavras sagradas que viam na projeção. Dizem os cronistas que, segundo os relatos dos participantes, uma intensa luz envolvia cada um deles, atribuindo cores diferentes aos tecidos quase transparentes de suas túnicas.
Quando cessava o canto, todos abaixavam a cabeça e fechavam os olhos. Davam-se as mãos e prendiam a respiração. Instantaneamente desapareciam de onde estavam e reapareciam, individualmente, cada um em sua respectiva casa. Nas mãos de cada membro havia um botão de rosa com o frescor que mantém quando é recém apanhado de bem cuidado jardim.
ContraPágina Primeira
As pessoas da época, pertencentes a outros cultos, contra-argumentavam que, na verdade, tudo era projeção holográfica: os membros, as pedras, o livro e a rosa.
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Marco Villarta
Lavras, 25 de junho de 2022




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