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As almas de Nölt

Página Sexta


Entre as muitas teologias que existem no Quarto Orbe, o povo que habita as vizinhanças da terra de Nölt, nos arredores da grande cidade de Rabqu, onde rezam as lendas ter existido antiga habitação dos autômatos, acredita na reencarnação. Essa crença, em geral, não é exclusividade sua.

Ocorre que esse povo, chamado Rayeladim, acredita que os autômatos eram reencarnação de um povo do extinto Terceiro Orbe, que explodiu após uma terrível guerra planetária.

Para os Rayeladim, quando o planeta foi destruído, as boas almas das pessoas justas e inocentes, sem terem mais como reencarnar em outros humanóides ou até mesmo em outros animais, transferiram-se para o Quarto Orbe.

Lá, sentiram-se impedidas de encarnar os corpos dos habitantes do planeta que os recebia. Como os autômatos já tinham um vislumbre de senciência, decidiram animar seus corpos mecânicos.

Segundo a crença reinante, as almas, primeiramente, geraram um sistema bioneural que substituiu a programação original dos autômatos. Isso foi acontecendo à medida em que os autômatos precisavam de receberem um reset. Em vez de funcionarem com o sistema original restaurado, passavam a operar com o novo, que abrigava, para cada autômato, uma alma do Terceiro Orbe.

Aos poucos, foi se multiplicando o número de autômatos encarnados.

Essa é a versão dos Rayeladim sobre a reencarnação das almas nos autômatos e sua explicação para o suposto desenvolvimento da sociedade dessas máquinas. Quanto à aparência dos autômatos, os Rayeladim dizem não ter nenhum conhecimento a esse respeito.

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Há variadas objeções à visão teológica dos Rayeladim.

O primeiro grupo de contra-argumentos é com relação aos que não acreditam em nenhuma forma de reencarnação. Para esses, os Rayeladim são ingênuos e supersticiosos, sem alcançarem nenhum aprofundamento na busca da verdade.

O segundo grupo levanta objeção à reencarnação em máquinas ou sistemas digitais ou cibernéticos. Consideram risível que um autômato ou um sistema bioneural de inteligência artificial possa receber das esferas divinas essa oportunidade de serem animados por almas.

Há ainda os que questionam a versão de que foram as boas almas, mais evoluídas espiritualmente que habitaram os autômatos (portanto, não acham impossível que tais máquinas as recebam). Baseiam-se no episódio da fuga de Edgan Raven. Consideram que os autômatos que o julgaram não pareciam ter suficiente senso de justiça. Se estivessem habitados por boas almas, seriam mais ponderados, no modo de entender desse grupo.

O quarto grupo, já sem representantes na era atual, acreditava ser mais verossímel almas habitarem pedras do que artefatos construídos por outros seres viventes.

Um outro grupo, bem pouco numeroso, descrê da existência do Terceiro Orbe.

Existem, finalmente, aqueles que levantam objeções por aquilo que consideram sacrílego tentar discutir o paradeiro das almas.

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Marco Villarta

Professor universitário, pesquisador, poeta, ensaísta, escritor, tradutor. Doutor em Letras. Nascido em São José dos Campos/SP - Brasil. Curioso pela vida e pelas pessoas, pela arte e pelos sonhos.

Membro correspondente da Academia Jacarehyense de Letras

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