Ensaio sobre a palavra
- Marco Villarta

- 5 de jun. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 22 de mai.
Diz a lenda que em 490 a. C. um soldado ateniense correu um pouco mais 42km, do campo de batalha em Marathonas até Atenas, para dar notícia da vitória do exército da cidade e evitar o suicídio das mulheres e a morte das crianças. Após ter dado a notícia, caiu morto de exaustão. Em 1848, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe escreve um poema em prosa (Eureka) e diz ter recaído em profundo estado de esgotamento, o que, acreditam alguns, levou à sua morte, dois anos mais tarde. Em ambos os casos, temos dois exemplos de palavras que salvam e que matam. Assim tem sido com nossas guerras e nossas festividades. Se nos calamos, seja no intenso rugir dos atos de amor, seja na reverência serena das preces que fazemos ao inexplicável divino, em nossos tantos templos, tal silêncio valoriza ainda mais, como intervalo, as palavras que proferimos. Sabemos (e assumo fazer corajosa e delicada profissão de fé ao escolher esse verbo) que as almas e os anjos não conhecem os limites físicos que nos constituem. No antes e depois de supostas e variadas dimensões de onde viemos e para onde iremos, a palavra talvez seja esse fio que nos orienta e nos organiza. Na linearidade do que dizemos, sempre uma palavra depois da outra, nos reconhecemos na estrada, pois dificilmente haja melhor alegoria do que essa para dizer da nossa existência no espaço e no tempo. Mais do que isso, a palavra permite (e exige) ouvir a palavra alheia, porque é somente no contraste com o que os outros dizem e como nos dizem, que vamos esboçando o que somos. Incapazes de ver a própria face (senão invertida e distorcida no espelho), a palavra é nossa bússola, nessas águas turbulentas da convivência e do coexistir.
Marco Villarta
Publicado no Jornal Diário de Jacareí, em 4 de junho de 2022.



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